Batman [1989] | A batmania e a nova era do Homem-Morcego

Em 1989, ao lançar o longa-metragem Batman nos cinemas, Tim Burton – além de dar uma guinada em sua até então incipiente carreira como diretor – ajudou a popularizar, nas telonas!, o famoso herói que dá título à obra e, praticamente, iniciou uma nova era para os blockbusters em Hollywood. Isso porque, a DC (editora dona dos direitos do personagem), num passado não muito distante, adotara uma radical alteração de tom nas HQs – o que, por consequência, favorecera abordagens mais sombrias também em outras mídias. Dessa forma, Burton, cuja filmografia sempre foi influenciada pelo gótico, ficou bem à vontade para criar sua visão obscura do Homem-Morcego. Tal mudança, por sua vez, não poderia soar mais antagônica ao perfil vigente do protagonista no imaginário popular da época, que fora diretamente influenciado pela proposta kitsch da série de TV do final dos anos 1960. Em contrapartida, esse novo enfoque fez de Batman, em termos comerciais e artísticos, muito mais que um grande sucesso, na verdade, um verdadeiro e absoluto fenômeno.

Batsinopse

Batman (1989)
(Warner/Divulgação) – O Homem-Morcego faz uso de um de seus famosos gadgets.
Uma estranha figura vestida de negro – e inicialmente confundida com um morcego gigante – começa a atuar pelas noites de Gotham combatendo os bandidos que infestam os becos escuros da cidade. Na verdade, a real identidade do vigilante mascarado é Bruce Wayne (Michael Keaton), milionário excêntrico que, como forma de vingar a morte dos pais – da qual foi testemunha quando criança -, decide combater o crime por conta própria. Dessa forma, o ricaço mantém, durante o dia, um relacionamento com a repórter Vicki Vale (Kim Basinger), a quem deverá proteger, assim como toda Gotham City, da loucura do assassino conhecido como Coringa (Jack Nicholson), um psicopata ensandecido que decide caçar o herói depois que o primeiro encontro entre eles resulta na deformação do rosto do vilão.

Eu sou o Batman

(Warner/Divulgação) – O Cruzado Encapuzado dá seu cartão de visitas.
Quando Michael Keaton, que trabalhara com Burton na comédia Os Fantasmas se Divertem [1988] – na qual vivera o amalucado Beetlejuice -, foi anunciado como intérprete do Cavaleiro das Trevas, houve um burburinho negativo entre os fãs, que, em geral, consideravam o ator incapaz de conferir ao herói a “dignidade merecida”. Os temores, entretanto, dissiparam-se tão logo a primeira imagem com Keaton caracterizado como Batman foi divulgada. Por fim, auxiliado por truques de câmera – que o faziam parecer mais alto do que realmente era – e pelo figurino estiloso marcado sobretudo pela imponente armadura, Keaton surpreendeu ao aparecer vestido de Homem-Morcego – ele também se imporia na pele do alter ego, Bruce Wayne, para o qual concedeu carisma e, claro, a introspecção necessária. No fim das contas, mesmo sua baixa estatura – para aqueles que a vissem como um problema -, não poderia, no universo do filme, servir como uma forma inusitada (proposital, quem sabe?) de despistar possíveis suspeitas quanto à real identidade de Wayne?

Novo Batman, novo Coringa

Era final dos anos 1980 quando graphic novels como O Cavaleiro das Trevas [1986] e Batman: Ano Um [1988] levaram às bancas de jornal uma interpretação repaginada do Cruzado Encapuzado, dando um enfoque mais adulto ao personagem e ao seu universo. Enquanto isso, obras como Asilo Arkham – Uma Séria Casa em um Sério Mundo [1989] serviam, por seu lado, como uma espécie de complemento a essa tendência, uma vez que revelavam a faceta mais nociva e insana de seu maior inimigo. Dessa forma, faria sentido que o filme que se propunha ser o definidor do Batman para uma nova geração trouxesse em destaque justamente o embate entre o herói e sua mais conhecida nêmesis, o Coringa. Ademais, o longa adota parte da origem escrita por Alan Moore para o vilão em Piada Mortal [1988].

“Joker” Nicholson

(Warner/Divulgação) – A cara de louco de Jack Nicholson é insuperável.
Se a escalação de Michael Keaton para viver o protagonista em Batman havia sido polêmica, a escolha de Jack Nicholson, um ator já consagrado mesmo naquele tempo, para viver o Coringa era, por sua vez, o trunfo que os realizadores dispunham para aplacar a ira dos insatisfeitos. De fato, a opção por Nicholson mostrou-se certeira, mas não sem antes sofrer algum tipo de rejeição em virtude da idade do astro – ele tinha um pouco mais de 50 anos -, considerada um pouco avançada para viver o Palhaço do Crime.

Nicholson desbancou Robin Williams na preferência do estúdio, e, ao vislumbrar o potencial do longa nos cinemas, impôs uma condição peculiar para aceitar o papel: ele abriria mão de uma parte significativa de seu salário em troca de uma porcentagem da renda total obtida pelo filme nas bilheterias. Resultado: Nicholson ficou milionário. Depois disso, os estúdios, precavidos, criaram meios para impedir esse tipo de negociação.

Pode me chamar de… Coringa

(Warner/Divulgação) – Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, então sorrir é o melhor remédio?
Em todo o caso, o esforço para ter Jack Nicholson no elenco de Batman valeu a pena, afinal, o ator criou uma das versões mais icônicas do Coringa. Aliás, apesar de duas interpretações memoráveis posteriores (e muito diferentes em nuances) – Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas [2008] e Joaquin Phoenix em Coringa [2019] -, é indiscutível o carisma que Nicholson atribuiu ao personagem. É possível, inclusive, dizer que o Coringa de Nicholson talvez seja a perspectiva cinematográfica mais aproximada, em termos estéticos e performáticos, da visão existente nos quadrinhos.

Emulando traços da personalidade histriônica construída por Cesar Romero na série de 1966, incluindo a utilização de adereços como a ameaçadora rosa que expele ácido (elegantemente posicionada na lapela do terno roxo do palhaço) e a mortal mão de choque, este Coringa, ao mesmo tempo que diverte e é engraçado, é maníaco, homicida e não poucas vezes assustador. A maquiagem utilizada por Nicholson quando caracterizado como a nova persona de Jack Napier, representa, na verdade, a identidade real do bandido, ou seja, o monstro que emerge do tanque de ácido; porém, no contexto ficcional da trama, é a maquiagem real que, ironicamente, mais se aproxima da face antiga de Napier. Na verdade, essa diferença, além de ser utilizada pelo vilão para assustar suas vítimas, é importante porque manifesta o quão perturbada é sua mente.

Elfman e Prince

Como parte do merchandising utilizado para divulgar Batman, o cantor Prince (de volta ao auge) foi convidado para compor canções para a trilha sonora da produção. Consequentemente, a decisão, do ponto de vista mercadológico, resultou em êxito, visto que discos foram vendidos aos montes, sendo Batdance a faixa responsável pela maior parte do sucesso. No entanto, em relação à construção da atmosfera do filme, o álbum mostrou-se bastante dispensável, visto que suas composições destoaram um bocado do estilo dark pretendido – tanto que a maioria sequer foi utilizada na obra.

Por outro lado, Danny Elfman – que, por meio de sua banda de rock, a Oingo Boingo, da qual era vocalista, já estivera, assim como Prince, imerso no mundo pop – aliou categoria e elegância, e, como compositor da trilha instrumental de Batman, criou talvez o tema definitivo do personagem, não superado nem mesmo pelo ótimo trabalho de Hans Zimmer na trilogia Cavaleiro das Trevas. Afinal, enquanto a maioria dos super-heróis tem para si temas genéricos e pouco inspirados, a composição triunfal de Elfman é tão única que é praticamente indissociável da figura taciturna que, do alto de seus arranha-céus, vigia as conturbadas noites de Gotham City. Facilmente identificável, basta a sinistra trilha começar com seus primeiros acordes que, independentemente do contexto, logo sabemos se tratar do emblemático tema do Batman, tão gótico, vigoroso e melancólico quanto o próprio vigilante mascarado em si.

A Gotham Noir

(Warner/Divulgação) – Gotham: estranha como a fantasia, caótica como a realidade.
E o Oscar vai para… direção de arte! Sim, o design de produção de Batman, premiado com a estatueta dourada, apresenta uma Gotham suja – literal e metaforicamente. Pelas suas ruas e becos transitam de vagabundos e drogados a prostitutas e policiais corruptos. Entrementes, mafiosos, chefões do crime e magnatas inescrupulosos habitam suntuosas coberturas.

De manhã, a metrópole cinzenta é fria como o gelo, e à noite, opressiva como as trevas. Na verdade, a cidade, construída em parte pelo limitado CGI da época, às vezes parece saída de um sombrio mundo de fantasia. Enquanto isso, a caprichada cenografia e o figurino retrô remetem o espectador aos clássicos noir dos anos 1940.

Nesta Gotham City perdida em algum lugar do tempo, dividem espaço elementos futuristas, como o incrível batmóvel (um deleite visual à parte), e itens vintage, como é o caso de muitos objetos da mansão Wayne, por exemplo. A catedral de arquitetura gótica que serve de ambientação ao desfecho da trama, assim como a batcaverna, com seu design rústico, são cenários arrojados que ajudam a facilitar a imersão do espectador nessa realidade estranha e abstrata.

A Gotham Cartoon

Batman (1989)
(Warner/Divulgação) – No circo do Coringa, o Palhaço do Crime é o rei de Gotham.
Em Batman, apesar de a obra ainda não apresentar por completo as características que se tornariam mais evidentes em sua trajetória como diretor – as mais notáveis se consolidariam a partir de Edward Mãos de Tesoura [1990] -, é inegável que Tim Burton dá uma identidade própria ao longa. A assinatura do cineasta é manifesta, sobretudo, através do aspecto visual imposto à película que, somado ao clima mórbido, dá um tom delirante à narrativa. Dessa forma, Burton cria uma aventura soturna com cenas de ação realmente empolgantes, mas que também é espalhafatosamente divertida, já que o roteiro adiciona momentos verdadeiramente burlescos (sendo o Coringa seu grande protagonista) e outros mais sutis, como o bem-vindo alívio cômico trazido pela figura do repórter Alexander Knox (Robert Wuhl) e as situações irônicas que envolvem Bruce Wayne interagindo com Vicki Vale e o mordomo Alfred (Michael Gough).

Uma espirituosa referência a Bob Kane – que, ao lado de Bill Finger, criou o Batman em 1939 – já dá o tom cartunesco do filme. Aliás, falando em criadores e quadrinhos, o roteiro brinca com a origem do personagem principal logo na primeira cena, pregando uma peça das boas no espectador menos atento. Nesse contexto, o script opta, de modo interessante, por ligar a origem do herói à do vilão – cada um contribui, portanto, a seu modo, para o surgimento do outro -, embora, para os puristas, essa seja uma decisão das mais polêmicas.

A batmania

Batman (1989)
(Warner/Divulgação) – Entre a luz e a escuridão, a mocinha e o Morcegão.
Tubarão [1975], de Steven Spielberg, lançado mais de uma década antes de Batman chegar às salas de exibição, é considerado o primeiro filme arrasa-quarteirão do cinema – durante um tempo, inclusive, a obra foi recordista de arrecadação. No entanto, com o inédito esforço de marketing empregado pela Warner Bros. para promover o longa do Homem-Morcego – o que inclui licenciamentos para exploração das marcas associadas ao herói em inúmeros produtos, e nos mais diversos tipos de campanhas publicitárias -, Batman, e tudo atrelado ao personagem-título, tornou-se uma febre de proporções nunca antes vistas, a chamada batmania. Como consequência, uma bilheteria mundial superior a US$ 400 milhões – um verdadeiro estouro para a época -, e em tempo recorde. De quebra, o sucesso da megaprodução ainda rendeu a sequência Batman: O Retorno [1992] e a criação da elogiada Batman: The Animated Series, que triunfou durante boa parte dos anos 1990.

Batman e a nova era do Morcego

Apesar da história pouco ousada, Batman tem méritos inegáveis, e o maior deles é a solidificação da imagem do herói de Gotham – que, para além das páginas dos quadrinhos, tornou-se amplamente reconhecida mundo afora, assim como toda a mitologia que o envolve. Por consequência, a quem colaborou para o seu surgimento, a batmania trouxe respeito e consagração. Nesse sentido, foram retribuídos os trabalhos destacados de cada um dos quatro principais nomes envolvidos no projeto.

Michael Keaton, que, tanto quanto pôde, honrou e dignificou a mítica envolvendo o Homem-Morcego – mesmo que, em termos de atuação, o alegórico personagem não exigisse tanto esforço de seu intérprete -, ficou marcado, no mínimo, como um dos melhores Batmans do cinema. Enquanto isso, Tim Burton, graças à sua muito peculiar visão do herói, viu, a partir deste filme, os holofotes da mídia se voltarem para muitos de seus projetos seguintes, nos quais, aí sim, pôde demonstrar de maneira mais contundente suas habilidades inerentes. Jack Nicholson, por sua vez, cujo enérgico desempenho como Coringa abriu portas para que o icônico vilão pudesse continuar a ser explorado das formas mais multifacetadas possíveis nas telonas, recebeu, de quebra, uma indicação ao Globo de Ouro. Por fim, Danny Elfman, que criou “o” tema do Batman, tornou-se um dos compositores mais requisitados na indústria cinematográfica, alcançando um patamar de respeito que até mesmo sua fase como ícone pop nunca lhe proporcionara antes.

E o público, afinal… o que ganhou com isso? Resposta: um dos filmes de herói mais marcantes e importantes da história do cinema.

Então, pegue sua pipoca e seu refrigerante, ajeite-se na poltrona, faça silêncio e… shhhhhh… um bom BAT FILME pra você!


Assista ao trailer (sem legendas em português)


BATMAN

[Ficha Técnica]

Elenco: Michael Keaton, Jack Nicholson, Kim Basinger, Robert Wuhl, Michael Gough, Pat Hingle, William Hootkins, Jerry Hall, Tracey Walter, Lee Wallace, Billy Dee Williams, Jack Palance | Direção: Tim Burton | Ano de Lançamento: 1989 | Gêneros: Ação, Aventura, Fantasia | Duração: 127 min. (2h07) ¹ | Classificação Indicativa: 12 Anos ² | País de Origem: Estados Unidos | Distribuição: Warner Bros. Discovery | Disponibilidade em Streaming ³: Max

¹ Tempo aproximado

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