O ano é 1940, o contexto é a Segunda Guerra Mundial, e o lugar é uma cidadezinha litorânea chamada Dunkirk, no norte da França. Entre a praia e o Canal da Mancha, tropas aliadas encontram-se encurraladas pelos nazistas. Sem armamentos ou comida suficiente, quase 400 mil homens são acuados pelo avanço implacável da Luftwaffe. Com um ímpeto tremendamente avassalador, a força aérea alemã bombardeia inclementemente os combalidos soldados, que, uma vez entregues à própria sorte, têm como única estratégia recuar o máximo possível. Na verdade, eles aguardam um providencial socorro, que mais se assemelha a um verdadeiro milagre.
É nessa situação de calamidade total que tem início a Operação Dínamo, uma ação militar empreendida pelas forças britânicas. Essa, por sua vez, entrou para a história tanto por seu ambicioso objetivo – evacuar Dunkirk em tempo recorde e sob condições absolutamente adversas a fim de evitar que suas forças fossem sumariamente dizimadas pela fúria inimiga – quanto por seu resultado inacreditavelmente bem-sucedido – mais de 300 mil soldados resgatados antes da completa e total aniquilação.
Dunkirk, o orgulho inglês
Esse é o pano de fundo de Dunkirk, filme de guerra dirigido pelo aclamado Christopher Nolan, da trilogia O Cavaleiro das Trevas. E a inspiração para trazer às telonas esse importante e memorável acontecimento vem do quanto ele foi, e continua sendo, marcante e importante para o orgulho de todo cidadão nascido em solo britânico – em especial para os ingleses. Nolan, que é inglês, considera esse um dos momentos históricos que, ao longo dos anos, mais contribuíram para o recrudescimento do patriotismo entre seus patrícios.
Afinal, os inúmeros relatos dos feitos alcançados em meio à Operação Dínamo se tornaram ensinamentos que, desde então, são incutidos na mente de todo inglês desde a mais tenra infância, produzindo neste um apreço extremo ao exemplo de superação e determinação de seus irmãos em guerra. De forma natural, o conhecimento do que ocorreu em Dunkirk gerou em seus corações um orgulho cujo significado é inexplicável, incomparável e inigualável.
Dunkirk: início da capitulação nazista
Grande parte dos estudiosos da Segunda Guerra considera Dunkirk um evento cujo valor simbólico contribuiu muito para a derrota da Alemanha ao final do conflito. Isso porque, ainda que essa só viesse a capitular de fato em 1945, estava prenunciada a valentia com que os “súditos da rainha” encarariam o poderio germânico pelo restante da guerra, o que, certamente, também serviria de exemplo às demais nações que teriam o seu indesejado encontro com o Terceiro Reich. Dunkirk e a Operação Dínamo, portanto, impulsionaram a coragem e a determinação britânicas frente aos nazistas.
Inadvertidamente, muito embora já dominassem quase toda a Europa, os alemães encontraram na Inglaterra um obstáculo praticamente intransponível – tal foi a resistência oferecida. Sob a liderança do primeiro-ministro Winston Churchill, os ingleses não se envergaram, mesmo quando os ventos frios sopraram e devastaram os territórios vizinhos. A obstinação foi tal que, ao invés de assustar, a aproximação do inimigo impeliu os resistentes ao confronto.
O milagre de Dunkirk, por Nolan
Com domínio de cena e virtuosismo técnico inquestionáveis, Nolan recria com intensidade e muita tensão uma situação dramática e desesperadora. Para isso, quase todos os efeitos de Dunkirk são práticos, como é característico nos filmes do diretor. Dessa forma, do ponto de vista do retrato artístico da guerra, temos um espetáculo crível e verossímil. O uso de câmeras IMAX e 70 milímetros – instrumentos que aproximam os eventos do espectador – torna o longa não só mais bonito, como também mais impactante.
Em termos históricos, porém, Nolan tem seus contestadores, já que há muitas controvérsias envolvendo a participação francesa no episódio em Dunkirk. Enquanto os ingleses puxam para si a maior parte do mérito atribuído aos aliados, os franceses se queixam, alegando uma participação muito mais efetiva. Segundo estes, o filme de Nolan, supostamente de forma proposital, omite seus esforços diante de toda a situação, que, diga-se de passagem, ocorreu em território francês.
A velha rivalidade
A primeira cena de Dunkirk talvez seja a mais emblemática da obra. Nela, acompanhamos seis soldados caminhando a esmo por ruas desertas, em busca de água e tentando manter-se em alerta à ameaça que vem do alto. Então, uma chuva de panfletos contendo avisos ameaçadores é derramada pelos alemães sobre um bando de pobres coitados. Um a um eles terminam abatidos de forma fria e abrupta.
Em outro momento marcante, um grupo de soldados preso em um barco é inesperadamente alvejado por tiros vindos do exterior da embarcação. Submetidos a um cruel dilema, eles lutam desesperadamente pela vida. Ocorre que o subtexto da cena expõe com perspicácia o antigo ranço xenofóbico entre franceses e ingleses. Durante a guerra, tal animosidade sempre esteve camuflada sob a justificativa da necessária e indispensável união das duas nações em prol de um bem comum, o que, aparentemente, manteve adormecida a velha rixa entre França e Inglaterra. Mas, ao fim, o conceito de “aliados” vai literalmente por água abaixo.
Correndo contra o tempo, literalmente
Em relação aos filmes anteriores de Christopher Nolan, Dunkirk, de fato, é bem curto – são menos de duas horas de projeção. Por um lado, isso é bom, pois a narrativa não fica arrastada; porém, é possível que a provável intenção de torná-lo menor em seu tempo – a longa duração da maior parte de seus longas sempre foi um motivo de protestos por parte dos detratores de Nolan – tenha prejudicado o pleno desenvolvimento da obra. Há também certa superficialidade nas cenas de ação “mais intensas”, já que, apesar de muito boas, elas são sempre rápidas demais, dando a sensação de que poderiam ter sido maiores e melhores. Por esse motivo, não há sequer uma cena em especial à qual se possa conceder a honrosa classificação de “historicamente marcante”, daquelas que por si só valham o ingresso.
A consequência de seguir esse caminho está refletida no desempenho apagado do elenco de Dunkirk, mesmo que os atores correspondam bem ao clima de tensão exigido. Como resultado, ninguém se destaca em especial, já que o roteiro não tem lá muito interesse em desenvolver os personagens, e esse talvez seja um empecilho que impeça uma conexão mais emocional do espectador com a obra. O foco, assim sendo, está sempre na ação, e toda peça nesse tabuleiro é movida apenas para impulsioná-la. Aliás, o próprio Nolan – por mais incrível que pareça – considerou filmar o longa sem um roteiro (isso mesmo!), tendo sido demovido da ideia posteriormente.
Uma narrativa não-linear
Curiosamente, a ação em Dunkirk é apresentada sob três pontos de vista – cada um deles situados em lugares e tempos narrativos diferentes – que, depois de devidamente expostos, convergem para o clímax. Dessa forma, a estrutura da narrativa não é linear, o que pode causar certa confusão no espectador que não se mantiver atento. Nesse sentido, um recurso útil para facilitar a compreensão exata da localização e do significado de todas as situações é a atenta observação das legendas que são inseridas logo no início.
O roteiro, por sua vez, coloca-nos junto aos soldados aliados nas ruas da pequena cidade litorânea de Dunkirk, e nas praias onde centenas de milhares de homens se amontoam esperando alguma salvação. Enquanto isso, os oficiais – o principal deles interpretado por Kenneth Branagh – posicionam-se em píeres, tentando encontrar uma solução logística para o desafio extremo que se aproxima.
Pelo ar, pela terra e pelo mar
Em terra, por meio do personagem Tommy (Fionn Whitehead) – um dos soldados abandonados à própria sorte -, acompanhamos o infortúnio de homens desesperados pela própria sobrevivência. Em sua companhia, está o personagem Alex (Harry Styles). Todos esses acontecimentos transcorrem no período de uma semana.
Surpreendentemente, a bordo de um iate particular, três corajosos civis ingleses – Sr. Dawson (Mark Rylance), seu filho Peter (Tom Glynn-Carney) e o garoto George (Barry Keoghan) – partem em uma missão de socorro aos compatriotas. Terminam resgatando um nervoso oficial (Cillian Murphy), que, após ficar à deriva e completamente só por um longo tempo – e irremediavelmente traumatizado -, trará graves complicações à jornada dos tripulantes. Todos os acontecimentos no mar transcorrem no período de um dia.
No ar, sentimo-nos como se fossemos os passageiros dos dois únicos pilotos da Força Aérea Real que restaram: Farrier (Tom Hardy) e Collins (Jack Lowden), que, pilotando caças ingleses disfarçados aos olhos do radar, dão o máximo de si na arriscadíssima tentativa de abater o maior número possível de caças alemães. Todavia, a caçada inteira transcorre no período de apenas uma hora.
Uma angustiante contagem regressiva
De autoria do excelente Hans Zimmer, a trilha sonora de Dunkirk é importantíssima para a história. A sincronia que há entre o tema e os eventos que são mostrados em tela é notável. Com efeito, a composição, que em sua harmonia faz uso do som de ponteiros de relógios – uma ideia do próprio Nolan – que, uma vez sincronizados com as notas e os acordes, produz a exata sensação de luta contra o tempo (uma constante no filme). Decerto, é um trabalho admirável; porém, soa como exagerado quando empregado em cenas que não correspondem à emoção que a trilha, aparentemente, quer denotar. Ademais, outro aspecto que poderia ser melhor desenvolvido, mas que também deixa a desejar, é a fluência do tema, pois a música tende a não irromper em algo maior, mais intenso.
Emocional à sua maneira
Muito já se falou a respeito da suposta falta de emoção dos filmes de Christopher Nolan. Mas, ao contrário, seus filmes são emotivos de uma maneira muito particular. É importante enfatizar: cabe ao artista criar um estilo próprio e fazer com este o uso que achar melhor; não se pode apontar ao artista como este deve criar sua obra, e muito menos qual estilo deve empregar nela. Nolan é um artista que opta por construir seus filmes lançando mão de um estilo mais técnico, e embora isso seja verdade, o que ele oferece, entretanto, não é a técnica em si, mas a emoção que o bom uso dela pode ressaltar. A técnica é apenas um recurso, o que importa é o conteúdo.
Nolan, de fato, está longe de ser um gênio, mas que é um baita diretor, isso, decerto, seria tolice negar. Além disso, trata-se de um defensor contumaz da arte de se fazer cinema “na raça”, e Dunkirk é um ótimo exemplo disso. Com ele, a sétima arte só tende a ganhar.
Então, pegue sua pipoca e seu refrigerante, ajeite-se na poltrona, faça silêncio e… shhhhhh… um BOM FILME pra você!
Assista ao trailer (legendado em português)
DUNKIRK
[Ficha Técnica]
Elenco: Fionn Whitehead, Tom Hardy, Mark Rylance, Kenneth Branagh, Cillian Murphy, Harry Styles, Aneurin Barnard, Barry Keoghan, Tom Glynn-Carney, James D’Arcy, Jack Lowden | Direção: Christopher Nolan | Ano de Lançamento: 2017 | Gêneros: Drama, Guerra | Duração: 107 min. (1h47) ¹ | Classificação Indicativa: 14 Anos ² | País de Origem: Estados Unidos | Distribuição: Warner Bros. Discovery | Disponibilidade em Streaming ³: Max
¹ Tempo aproximado
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