Depois de uma longa espera, Liga da Justiça, o mais icônico grupo de super-heróis, ganha, enfim, seu primeiro filme live-action. O longa, cuja trama segue os eventos de Homem de Aço (2013) e de Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016), é a conclusão de uma trilogia idealizada pelo diretor Zack Snyder. O resultado, como já era de se supor – considerando a recepção colhida pelas produções que a antecederam -, é que a obra, apesar de interessante, certamente não conseguirá atender às expectativas de boa parte de seus espectadores.
Liga da Justiça (sob nova direção) vs… o “superbigode”?
Liga da Justiça sofreu com inúmeros contratempos durante sua realização. O afastamento de Snyder, devido ao suicídio da filha, foi um deles, ocasionando a promoção de Joss Whedon a roteirista e diretor das refilmagens. Com isso, a apenas quatro meses da estreia, uma parte expressiva do material original foi alterada.
Além do mais, houve também um inusitado imbróglio envolvendo Henry Cavill, o intérprete do Superman. O ator, logo após o término da primeira etapa das filmagens de Liga da Justiça, ligou-se a outro projeto – no qual, deu vida ao vilão de Missão: Impossível – Efeito Fallout (2018). Por questões contratuais, Cavill foi impedido de raspar o próprio bigode, cultivado a fim de compor o novo personagem.
Dessa forma, para que a Warner Bros. conseguisse refilmar Liga da Justiça a tempo (considerando a manutenção da data de lançamento inicialmente prevista), os pelos faciais de Cavill foram removidos, na tela, digitalmente. O ocorrido gerou desconforto na relação entre o estúdio e a Paramount, detentora da famosa franquia de espionagem protagonizada por Tom Cruise. Como consequência, Whedon teve que se preocupar com um detalhe a mais de renderização que, como veremos mais à frente, teve um desfecho, no mínimo, constrangedor.
Ao estilo Mulher-Maravilha?
Com as recepções mistas a Homem de Aço e Batman vs Superman, Liga da Justiça viu-se diante de um dilema: continuar apostando em uma visão mais “séria e realista” – sob o risco de continuar colhendo resultados insatisfatórios – ou partir para uma nova abordagem, com filmes menos densos e mais palatáveis ao gosto do grande público? Então, eis que, de maneira bastante providencial, chega uma possível luz no fim do túnel: a excelente recepção de público e crítica a Mulher-Maravilha (2017). Bem menos dramático e sem tantas pretensões filosóficas como as obras de Snyder – mas nem por isso ausente de uma conotação mais grandiosa e épica, algo sempre tão caro à DC -, o longa da heroína expôs às demais produções baseadas em personagens da editora o aparente equilíbrio a ser seguido.
Assim, embora o tom soturno adotado em Homem de Aço e em Batman vs Superman soe, a princípio, tematicamente rico e narrativamente ousado, a Warner achou por bem abandoná-lo em prol de uma história mais convencional. Posto isso, o prólogo de Liga da Justiça já sinaliza à audiência um caminho novo a ser trilhado.
Justice League Light
No fim das contas, com todas as alterações realizadas no intuito de torná-lo um filme leve e descompromissado, Liga da Justiça apresenta um resultado apenas regular. As mudanças efetuadas foram eficazes ao ponto de tornar o longa, uma aventura permeada com doses de ação e humor, razoavelmente divertido.
Há, felizmente, muita agilidade no desenrolar dos acontecimentos. O roteiro, estruturado em três atos bem delineados, torna a narrativa bastante objetiva. Assim, as duas horas de projeção passam voando. Certamente, contribui para isso o fato de o corte final de Liga da Justiça ter sido, conforme divulgado pela imprensa, desenvolvido de modo a apresentar, no máximo, 2 horas de duração. Essa decisão acarretou a supressão de cerca de 120 minutos (o equivalente a outras 2 horas) da versão bruta, fazendo com que parte considerável da trama, incluindo cenas mostradas nos trailers, fosse eliminada.
Em contrapartida, ao excluir partes substanciais do corte inicial, a edição final de Liga da Justiça peca ao tornar a jornada apressada. Todavia, tal situação de forma alguma afeta o desenvolvimento da história ou a adequada compreensão do espectador, ficando apenas a sensação de que a progressão poderia ter sido melhor arranjada.
De Whedon ou de Snyder?
Em Liga da Justiça, Joss Whedon também assina o roteiro, criando novos diálogos e situações cômicas (algumas delas bem dispensáveis). A presença de Zack Snyder em Liga da Justiça também é sentida. O diretor, dono de um admirável apuro estético, impõe seu já conhecido estilo. No entanto, a união de suas virtudes com as de Whedon, tão diferentes e destoantes, não flui de maneira coesa.
Novo compositor, nova trilha sonora
O compositor alemão Hans Zimmer é autor de marcantes temas para alguns dos mais importantes filmes da DC. Dessa vez, entretanto, ele passou a batuta para Tom Holkenborg (também conhecido como Junkie XL). O pupilo já havia contribuído exitosamente com o mestre em Batman vs Superman – para o qual a dupla criara a elogiada faixa Is She With You?, tema da personagem Mulher-Maravilha.
Holkenborg, no entanto, dispensado por Whedon, deu lugar ao veterano Danny Elfman. A mudança acabou gerando insatisfação em grande parte dos fãs. A reclamação dos detratores de Elfman esteve relacionada ao seu estilo, tido por eles como “menos épico”.
Elfman, por sua vez, apesar de muito competente, não conseguiu, de fato, criar para Liga da Justiça uma trilha memorável. O músico, inclusive, perdeu a oportunidade de compor um tema mais contundente para o tradicional grupo de heróis – daqueles que, em pouco tempo, tornam-se clássicos. O que se tem, porém, é um conjunto de faixas pouco inspiradas, mas que, se analisado dentro do contexto, funciona bem por seguir a tendência de ser mais discreto que a história que está sendo contada.
Curiosamente, Elfman reutiliza o tema clássico do Homem-Morcego criado por ele mesmo para Batman (1989). Ele também adapta Is She With You? na faixa Wonder Woman Rescue. Em Friends and Foes, o compositor transforma o tema icônico criado por John Williams para Superman: O Filme (1978) numa versão mais discreta e sombria.
Ponto de partida
Liga da Justiça começa a partir das consequências dos eventos narrados em Batman vs Superman. Na trama, o mundo, mergulhado em violência e criminalidade, não tem mais a figura do Superman. A falta de esperança, fruto da ausência do homem de aço, e a busca por ela são, basicamente, os temas do filme.
Batman, sentindo-se culpado pela morte do kryptoniano, acredita que a Terra está sob risco de um ataque iminente. No intuito de fazer frente a essa ameaça, o Homem-Morcego, em parceria com a Mulher-Maravilha, passa a recrutar meta-humanos, para que, juntos, combatam os invasores do planeta.
Somos apresentados então a Arthur Curry, o Aquaman, príncipe herdeiro do reino subaquático de Atlântida. Conhecemos também Victor Stone, o Ciborgue, um ser que mescla, em sua fisiologia, partes orgânicas e cibernéticas. Por fim, descobrimos quem é Barry Allen, o Flash, um velocista capaz de percorrer distâncias inimagináveis em frações de segundos. Unidos ao Cavaleiro das Trevas e à princesa amazona, terão que enfrentar o Lobo da Estepe, um ser alienígena, e seu exército de parademônios, que estão atrás de artefatos deixados na Terra ainda na Antiguidade.
Os heróis
Enquanto o Cruzado Encapuzado luta contra um vilão nos telhados de Gotham, a semideusa usa o laço da verdade e seus poderosos braceletes para salvar um grupo de pessoas. Em comum a essas duas cenas está o fato destas serem tanto as primeiras aparições do Batman e da Mulher-Maravilha em Liga da Justiça, como também os melhores momentos reservados aos dois personagens no filme.
A presença do jovem Flash funciona como alívio cômico. Quanto ao drama, esse é reservado ao Ciborgue, que, conforme remói seus traumas, gradualmente vai descobrindo seu verdadeiro potencial. Ademais, a relutância de Aquaman em assumir suas responsabilidades também tem destaque positivo na história.
Bons momentos (e mais do mesmo)
Entre os momentos mais interessantes de Liga da Justiça, está a abertura em slow motion – narrada sob o som de Everybody Knows, do cantor americano Leonard Cohen (aqui, na voz da cantora norueguesa Sigrid). Aliás, a referida sequência, além de bela, traz o bônus de flertar com a crítica social ao mostrar o tratamento hostil reservado a imigrantes em solo americano.
A chegada do Lobo da Estepe em Themyscira, e o consequente embate com as amazonas, é outro momento de destaque. Há também um interessante flashback narrando uma grande batalha ocorrida no passado. Essa última cena, inclusive, muito rica visualmente, é, sem dúvida, uma grande referência à trilogia O Senhor dos Anéis.
A certa altura, rola também um quebra-pau bastante inusitado. No entanto, o filme termina oferecendo um terceiro ato muito parecido com o da maioria dos filmes de super-heróis, culminando num verdadeiro festival em CGI. Também há duas cenas pós-créditos: a primeira é engraçada, e serve como referência às HQs; a segunda, mais surpreendente, revela o destino de um certo vilão.
O superelenco
Bruce Wayne/Batman, com perfil atenuado em comparação ao filme anterior, é bem defendido por Ben Affleck, que, visualmente, continua sendo um ótimo Homem-Morcego. Enquanto isso, Gal Gadot permanece carismática como Diana Prince/Mulher-Maravilha. Já Henry Cavill manda, outra vez, muito bem como Clark Kent/Superman, tanto em seu momento mais dark quanto assumindo sua condição de símbolo de esperança.
Ezra Miller não decepciona como Barry Allen/Flash, embora exagere na tentativa de ser engraçado. Jason Momoa surpreende como Arthur Curry/Aquaman, apesar do filme não se aprofundar muito em sua história. Ray Fisher consegue tornar crível a transição de Victor Stone/Ciborgue de uma figura amarga para um membro bem integrado à nova equipe.
Alguns outros atores também estão bem, mas não aparecem muito. São os casos de Amy Adams, que, como Lois Lane, tem uma ou outra cena interessante, e Diane Lane, que, como Martha Kent, brilha rapidamente em uma cena de reencontro. Destaque também para Jeremy Irons, que, como Alfred, segue com suas falas afiadas, e J. K. Simmons, que, apesar de não ter muito o que fazer como Jim Gordon, transmite certo carisma ao famoso personagem.
Amber Heard como Mera, Joe Morton como Silas Stone, Billy Crudup como Henry Allen e Connie Nielsen como Hipólita fazem boas participações, e Ciarán Hinds empresta o vozeirão para o vilão.
O “supervilão”
Em relação ao Lobo da Estepe, Liga da Justiça acerta na mesma proporção em que erra em relação ao personagem. Por se tratar de uma figura de pouco peso dentro do universo DC, a aposta em utilizá-lo como o vilão da primeira aventura do principal grupo de heróis da editora nas telonas é, na medida em que esta não desvia os holofotes para outra coisa além dos protagonistas, acertada. No entanto, há alguns problemas decorrentes: a falta de apelo do antagonista junto ao público; sua total unidimensionalidade – expressa, sobretudo, no excesso de falas de efeito; o visual capenga, produzido por um CGI horroroso; e a falta de contextualização quanto à sua procedência.
O retorno do “superbigode”
Tecnicamente, Liga da Justiça erra logo na primeira cena. Na tentativa de apagar o bigode de Henry Cavill – conforme questão exposta anteriormente -, o procedimento foi realizado de maneira canhestra. Isso porque, apesar da pelugem ter sido removida, há uma certa estranheza no sorriso do ator, pois, em muitos momentos, a boca parece ter sido substituída pela de outra pessoa. A impressão que fica é que houve desleixo por parte da equipe responsável.
Fim da saga
No fim das contas, apesar de todos os problemas – e foram muitos -, Liga da Justiça consegue superar algumas dificuldades, o que chega a ser um milagre perto de todos os problemas enfrentados. Pode não ser o melhor filme de super-heróis já feito – e, de fato, não é -, mas, olhando somente pelo lado do entretenimento, é um exemplar relativamente aceitável – para os menos exigentes, é claro.
Então, pegue sua pipoca e seu refrigerante, ajeite-se na poltrona, faça silêncio e… shhhhhh… um BOM FILME pra você!
Assista ao trailer (legendado em português)
LIGA DA JUSTIÇA BR
Justice League US
[Ficha Técnica]
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Amy Adams, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, J. K. Simmons, Connie Nielsen, Amber Heard, Ciarán Hinds, Joe Morton, Billy Crudup | Direção: Zack Snyder / Joss Whedon | Ano de Lançamento: 2017 | Gêneros: Ação, Aventura, Fantasia | Duração: 120 min. (2h) ¹ | Classificação Indicativa: 12 Anos ² | País: EUA | Distribuição: Warner Bros. Discovery | Disponibilidade em Streaming ³: Max
¹ Tempo aproximado
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