Em dezembro de 1941, enquanto a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial acontecia ante ao desastre de Pearl Harbor, surgia, nas páginas coloridas da DC Comics, a icônica Mulher-Maravilha. Criada por Charles Moulton (pseudônimo do psicólogo William Moulton Marston), a personagem logo arrebatou o coração dos fãs da arte sequencial. Em pouquíssimo tempo, ela passou a compor, ao lado de Superman e Batman, a chamada Trindade, a famosa tríade formada pelos maiores super-heróis da nona arte.
Com o conflito mundial cada vez mais intenso, e o consequente maior envolvimento dos Estados Unidos na guerra, a Mulher-Maravilha passou a ter destaque importante no estímulo das americanas ao patriotismo. Dessa forma, ela foi usada como garota-propaganda, uma espécie de fonte de incentivo para que as esposas assumissem as rédeas do ambiente familiar. Nesse contexto, a figura masculina não era mais a cabeça do lar, já que os maridos, em virtude do compromisso militar obrigatório, encontravam-se ausentes. Com isso, as mulheres foram ao mercado de trabalho e lutaram por seu ganha-pão. Daí em diante, foi apenas um passo para que a personagem fosse transformada em um signo para os ideais feministas.
Mulher-Maravilha: rumo às telonas
Expandindo sua influência na cultura do entretenimento, a Mulher-Maravilha teve direito, na década de 70, a uma cultuada série de TV protagonizada por Lynda Carter. Apesar do sucesso televisivo, a heroína demorou para receber uma representação no cinema – diferente do homem-morcego e do homem de aço, já retratados em diversas produções cinematográficas ao longo dos anos.
Em 2016, com o lançamento de Batman vs Superman – A Origem da Justiça, e 75 anos após sua criação, a Mulher-Maravilha, finalmente, foi introduzida ao mundo da sétima arte. A participação da personagem no longa recebeu aprovação quase unânime, e ela saiu praticamente incólume dos ataques desferidos à obra. Estava aí pavimentado o caminho para sua aventura solo, que, desde então, viu-se cercada de grandes expectativas. O primeiro filme solo da clássica heroína dos quadrinhos, afinal, também seria a primeira produção do porte a apresentar uma protagonista feminina.
Conhecendo as amazonas e a princesa
Mulher-Maravilha tem início numa rápida cena no presente, em que uma foto é o ponto de partida para um flashback que remete a trama para cem anos no passado. É quando a narrativa nos direciona à deslumbrante Ilha Paraíso (ou Themyscira), um idílico local – desconectado do tempo e do espaço por obra de Zeus – situado em algum lugar da Grécia. Lá moram as amazonas, guerreiras virtuosas e imponentes designadas para proteger o lugar da fúria de Ares, o deus da guerra. Também é lá que reside a princesa Diana (Gal Gadot), treinada desde criança para cumprir um papel especial numa vindoura luta contra esse maligno ser mitológico.
A general Antíope (Robin Wright), irmã da rainha Hipólita (Connie Nielsen), é a responsável por treinar sua sobrinha, mesmo a contragosto da soberana. Diana, por sua vez, almeja com afinco a posição para a qual está sendo preparada, não poupando esforços para ser a mais poderosa de todas as amazonas. A grande oportunidade de demonstrar seu valor se dá quando o avião que traz o piloto Steve Trevor (Chris Pine) cai em Themyscira. Após uma linda batalha nas praias da ilha, e um interrogatório ao qual o “visitante” é submetido, Diana acredita que Ares está agindo entre os homens. Por isso ela decide enfrentá-lo, partindo, junto a Trevor, numa jornada rumo à “guerra para acabar com todas as guerras”.
Da Ilha Paraíso ao front de batalha
Com a partida de Diana para o mundo do patriarcado, somos apresentados à cinzenta e desolada Londres de 1918, cuja atmosfera destoa consideravelmente da tranquilidade e hospitalidade da Ilha Paraíso – o contraste evidente, inclusive, é um dos grandes acertos da fotografia. O contexto é a Primeira Guerra Mundial, quando britânicos e alemães se amotinam entrincheirados.
Para executar uma difícil missão em solo belga, Trevor, sob a condição de espião americano, planeja arregimentar uma equipe. Em sua companhia está Diana, indignada com os horrores que contempla e inclinada a encontrar Ares a todo custo. Enquanto isso, outros dois vilões aparecem pelo caminho: general Ludendorff (Danny Huston), comandante das tropas germânicas e disposto a tudo para vencer a conflagração mundial; e sua cientista mais brilhante, a Dra. Maru (Elena Anaya), conhecida como Doutora Veneno, criadora de um gás letal de destruição em massa.
Sob o ótimo comando de Patty Jenkins
Muitos são os momentos de destaque em Mulher-Maravilha, desde um singelo bate-papo entre Steve e Diana num barco às inusitadas tentativas de mudança de figurino da princesa. Há também uma interessante cena num beco que, de bônus, serve como uma clara referência a Superman – O Filme (1978). No entanto, o instante mais empolgante é quando Diana se revela em toda sua potencialidade, deixando a trincheira e partindo para a briga no front de batalha. Nessa cena – a mais espetacular de todo o filme -, a amazona avança sob artilharia pesada, numa sequência de tirar o fôlego.
Em resumo, em Mulher-Maravilha, a diretora Patty Jenkins – que tem no currículo o filme Monster: Desejo Assassino (2003) – consegue dar à obra identidade própria, aplicando, com méritos, uma visão particular a cada estrutura da projeção. Contribui também uma leitura sensata e objetiva do roteiro, que ainda reserva surpresas e desfechos interessantes, além de uma conclusão ousada e comovente. Ao fim, Diana, após passar por diversos estágios no seu relacionamento com a humanidade, sai da mais pueril ingenuidade para fincar raízes no mais profundo amadurecimento.
Parceria Gal/Diana e Chris/Steve
Gal Gadot, por sua vez, abraça com entusiasmo a missão de defender a mais importante heroína de todos os tempos. Com carisma de sobra, a intérprete da Mulher-Maravilha não é exatamente uma atriz brilhante, mas não compromete em momento algum. Doando-se à personagem com a desenvoltura de quem sabe o peso que está carregando, Gadot entrega a amazona que todos queriam. Ela é guerreira, inteligente, ágil, determinada e firme quando necessário, mas também carinhosa e atenciosa na medida certa. E essa doçura é perfeitamente esboçada, por exemplo, quando de sua terna reação ao encontrar um bebê em meio a uma atribulada multidão londrina.
Chris Pine é outro acerto e tanto da escalação de elenco. Seu Steve Trevor é o companheiro ideal para Diana, sempre dosando heroísmo com boas sacadas de humor refinado. Educado e cordial com a moça, ele a trata com o devido respeito que só um cavalheiro é capaz de ofertar. O personagem, assim, tem bons momentos de interação com a protagonista, servindo como um guia para ela. Não se trata apenas de ser um par romântico, mas sim de ser um outro tipo de herói, aquele que se reconhece como coadjuvante e se dispõe de maneira altruísta pelo bem comum. É por meio dele, portanto, que Diana entenderá o propósito de sua ida ao mundo dos homens.
“Mulher-Maravilha” e suas qualidades
Somando-se ao ótimo design de produção, a fotografia, belíssima, torna crível a fictícia Themyscira. Nas cenas noturnas, há um forte contraste entre a escuridão natural e a intensa iluminação dos interiores. Durante o dia, nos campos pelos quais a jovem Diana passeia, há cores sóbrias na praia e mais notadamente no exterior das estruturas edificadas da ilha. Quando Themyscira se torna palco de uma épica batalha entre homens e amazonas – o slow motion revela verdadeiras pinturas -, os enquadramentos nos permitem vislumbrar cada movimento delas, seja empunhando escudos ou desferindo algum golpe com espadas ou flechas.
Nessa perspectiva, decerto, houve, nos bastidores, a influência de Zack Snyder – o responsável pela escolha de Gal Gadot para dar vida à Mulher-Maravilha. Jenkins, no que lhe concerne, aproveitou a influência do diretor para emular na cinematografia algumas de suas mais notórias características visuais. E isso se fez notório graças ao uso recorrente de filtros escurecidos e da utilização da peculiar técnica de câmera lenta de Snyder.
O trabalho de maquiagem, por seu turno, não chama tanta atenção num primeiro momento. Entretanto, as marcas de cicatrizes presentes no corpo da general Antíope, por exemplo, são um indício do zelo da produção quanto a pequenos detalhes. Tais nuances, por seu lado, são capazes de revelar grandes qualidades da general em termos de força, e até sugerem um extenso histórico de confrontos em que a personagem esteve envolvida.
A trilha sonora aproveita o ótimo tema anteriormente composto por Hans Zimmer e apresenta uma versão com bons arranjos de Rupert Gregson-Williams, que também cria boas novas faixas.
O superpoder da Mulher-Maravilha
Por fim, Mulher-Maravilha ainda expõe, nas entrelinhas, mazelas vigentes naquele período de Primeira Guerra Mundial, como, por exemplo, o fato de o voto feminino ser visto como algo inconcebível, com o sufrágio universal sendo um direito restrito aos homens. Porém, ainda que toque de leve e até mesmo de forma subjetiva na questão, o filme não é panfletário. Ainda no tocante a conceder algum tipo de voz às minorias, os companheiros de Steve e Diana estão lá para que a mensagem de inclusão seja devidamente ampliada.
Contudo, há um problema em Mulher-Maravilha: o excesso de CGI no ato final. Esse elemento de forma alguma interfere no todo; todavia, deixa um pouco a desejar, já que, esteticamente, destoa da qualidade visual até então mostrada na película.
Em síntese, Mulher-Maravilha, sem levantar a bandeira do feminismo extremista ou apelar à hipersexualização, consegue, com efeito, transmitir uma mensagem poderosa. Nela, as mulheres são imensamente capazes de atos heroicos e grandiosos tanto quanto qualquer homem. Isso porque, para tais práticas, a principal força motriz é o amor, que também é, independentemente de gênero, o maior dos superpoderes. Por tudo isso e muito mais, Mulher-Maravilha, decerto, pode ser considerado um verdadeiro triunfo.
Então, pegue sua pipoca e seu refrigerante, ajeite-se na poltrona, faça silêncio e… shhhhhh… um BOM FILME pra você!
Assista ao trailer (legendado em português)
MULHER-MARAVILHA BR
Wonder Woman US
[Ficha Técnica]
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Connie Nielsen, Danny Huston, Elena Anaya, Lucy Davis, David Thewlis, Ewen Bremner, Saïd Taghmaoui, Eugene Brave Rock | Direção: Patty Jenkins | Ano: 2017 | Gêneros: Ação, Aventura, Fantasia | Duração: 142 min. (2h22) ¹ | Classificação Indicativa: 12 Anos ² | País: EUA | Distribuição: Warner Bros. Discovery | Disponibilidade em Streaming ³: Max
¹ Tempo aproximado
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